Era uma noite escura de Inverno. A ribeira levava uma
grande cheia, a água era turva e arrastava no seu caudal troncos de freixos e
faias arrancadas das margens, lá de cima, donde ela nascia.
Não se via vivalma naqueles cabeços. Tudo deserto, tudo
triste e monótono, e a água continuava a cair, engrossando mais a torrente da
ribeira, que rugia lá em baixo, como se ainda não estivesse satisfeita.
Aquele inverso destruíra tudo. Não havia naqueles
arredores, a mínima pastagem e os pegureiros tinham de imigrar para as bandas
de Espanha, onde o Inverno não fora tão rigoroso. De manha cedo, ainda o Sol
não raiava no horizonte, um pobre pastor, com o gado a cair de fome,
encontrava-se na margem esquerda da ribeira e, para lhe dar de comer, tinha de
atravessá-la. Mas como, se a ribeira ia cheia, e meter-se à água era uma
loucura, uma verdadeira temeridade?
Um trovão enorme ecoou, cortando o silêncio daquela noite
tenebrosa e, ao pé do zagal, apareceu o Diabo, que, conhecendo a sua aflição, o
veio tentar.
Construiria uma ponte, disse-lhe ele, desde o pôr-do-sol
até à meia-noite, isto é, até que o galo cantasse três vezes, com a condição de
o pastor lhe dar a alma. E apresentou-lhe um papel, onde os dois assinaram com
o sangue de cada um.
No outro dia, logo que o Sol se pôs, veio o Diabo, com
toda a sua gente, construir a ponte, não faltando assim ao que prometera.
O pastor, porém, pensando bem, arrependeu-se de entregar a
alma ao deus malvado dos infernos e começou a chorar, lamentando a sua triste
sorte. E assim foi encontrar Nossa Senhora que, condoída dele, lhe disse:
- Quando faltar colocar a última pedra na ponte, atiras
este ovo fora, para o pé do Diabo.
Dizendo isto desapareceu numa nuvem de fogo para nunca
mais ninguém a ver.
Começaram todos a trabalhar. Quando cantou o galo pedrês o
Diabo disse a sua gente “Venham pedras a duas e três”; mais adiante, quando a
ponte já estava a meio, cantou o galo branco, o que fez dizer ao Diabo “Desse
ainda me não espanto”.
O pastor, sempre alerta, quando notou que faltava colocar
a última pedra, atirou o ovo, que Nossa Senhora lhe dera, pela ponte fora e
dele nasceu um galo preto, que anunciou ter dado a meia-noite, com o seu canto.
O Diabo ao ouvi-lo disse “Com este não me meto” e fugiu não querendo saber do
contrato que fizera.
Para testemunhar isto, - José Leite de Vasconcellos, Contos Populares e Lendas II, Coimbra, por
ordem da Universidade, 1966, p. 789, ele ainda regista – diz o povo, lá se
encontra ainda a pedra, ao pé das guardas, dizendo-se que cai todas as vezes
que a colocam no seu lugar.
Bom Dia Alentejo!