quinta-feira, 13 de março de 2014

Bom Dia Alentejo, Fortaleza de Aramenha, Cidade Romana de Ammaia, a luz do dia viva, que brilhante passado

 
São Salvador da Aramenha, amigos meus do mundo, é uma freguesia portuguesa do concelho de Marvão. É aqui neste Alto Alentejo. É aqui neste Alentejo do Norte. Um lugar a ser visitado, o coração ao alto, para quem gosta de encontrar Romanos nos tempos modernos e viajar até ao útero da mãe…
Nesta pequena postagem, vos levarei subjectivamente, a uma fortaleza, à Fortaleza de Aramenha, não sabendo se a dita, a ela se chama actualmente e no presente, Cidade romana da Ammaia.
A fonte, onde bebi pequeno texto, foi no Roteiro dos Monumentos Militares Portugueses, do general João de Almeida, ano de 1945.
Mas penso que sim, amigos meus, “ … trazida das ruínas da cidade romana que se encontra em São Salvador da Aramenha, perto de Marvão, a qual é hoje comummente aceite com sendo a Ammaia romana referida em várias fontes históricas”.
 

No cimo de um pequeno outeiro, cota de 525 m., que se levanta no sopé da vertente leste do Monte das Malhadas, a cavaleiro da margem esquerda do rio Sever, junto da povoação de S. Salvador de Aramenha, a 3,5 Km. a su-sudoeste da fortaleza de Marvão, existem ainda os vestígios evocadores de uma importante cidade romana.
Dada a sua natureza e situação e os vestígios das épocas pré-históricas, os restos de explorações mineiras na região, especialmente de chumbo, e os achados arqueológicos da dominação romana, tais como pedaços de telhas, de pavimentos lajeados e de mosaicos, pedras votivas, colunas, capitéis, medalhas e moedas romanas, e um grande aqueduto do tempo de Vespasiano, Tito e Trajano, e, ainda, da persistência de certos caracteres antropológicos nos habitantes das vizinhanças, é de supor que a fortaleza primitiva tivesse consistido num castro lusitano, depois ocupado pelos sucessivos invasores.
Ali se acolheram os Túrdulos-os-Novos em meados do século Xi a. C. Mais tarde os Celtas e Celtiberos, baixando da Castelo Velha, ao longo do vale do Tejo, nos fins do século IX a. C., teriam conquistado e remodelado a fortaleza lusitana, transformando-a num florescente Oppidum e dando-lhe o nome de Aramenha, a designação lusitana de Marvão, e reservando para esta a de Medobriga.
Na Aramenha dos Celtas se teriam também estabelecido os Cartagineses, em princípio do século III a. C.
Os Romanos teriam conquistado o castro lusitano de Aramenha no ano 44 a. C. simultaneamente com Medobriga (Marvão), remodelando a fortaleza segundo a sua técnica castrense e transformando-a numa base militar de ocupação dependente de Medróbriga, reservando-lhe a missão de grande industrial, comercial e agrícola, pelo que também ficou sendo conhecida por Medobriga.
Destruída pelos Vândalos em 411, a fortaleza ficou completamente arrasada para nunca mais voltar a ser restaurada.
E o texto que foi assim que vos deixo…
 


 
Bom Dia Alentejo!

Bom Dia Alentejo!

quarta-feira, 12 de março de 2014

Bom Dia Alentejo, Topónimo de Arronches, Arronches, o ser ou o não ser lhe eis a questão ao Alentejo

 

Em Latim Aruncis. Dizem muitos ser fundada pelos moradores de Aroche. Vila na província de Andaluzia; imperando Caio Calígula, os quais lhe puseram o nome da sua pátria; e corre por tradição, que depois lhe chamaram ARRONCHELA, corrupto no que hoje tem de ARRONCHES, como também o diz Rodrigo Caro, no seu livro de Antiguidades de Sevilha.
Do Dicionário Geográfico – tomo I – 1747 – Pág. 611.

 
Tem-se afirmado que esta vila é sede de concelho do distrito de Portalegre corresponde a uma povoação que se chamou Aruncis e Arronchela. É, todavia, forçado explicar a actual designação por qualquer destes nomes, que só dificuldade e talvez por contaminação por qualquer destes nomes justificariam a forma ARRONCHES.
Por outro lado, uma tradição local, reproduzida por vários autores, atribui a fundação do antigo povoado aos habitantes de Aroche (vila da Andaluzia, tomada pelo rei português D. Afonso III), no tempo do tristemente famigerado imperador romano Caio Calígula (12-41).
Segundo alguns pretendem, ARRONCHES teria resultado da transformação do nome da tal vila espanhola, hipótese que não partilhamos por nos parecer insustentável, qualquer que seja o aspecto sob que a consideremos.
Dos Topónimos e Gentílicos, de Xavier Fernandes, Vol. II – 1944 – Pág. 270.


Foto: http://portugalfotografiaaerea.blogspot.pt/search/label/Arronches , http://portugalfotografiaaerea.blogspot.pt/2012/03/arronches.HTML

Bom Dia Alentejo!

segunda-feira, 10 de março de 2014

Bom Dia Alentejo, Topónimo de Vaiamonte, Monforte, o Alentejo vai sempre ter ao monte

 
 O meu prezado amigo Dr. Joaquim António Calado Lopes, natural de Vaiamonte, professor efectivo do 9.º grupo do liceu de Oeiras, comunicou-me, em tempos, a respeito da sua terra o seguinte:
Sobre o nome posso dizer-te que ainda não há muito tempo se escrevia VAI-A- Monte e a terra era chamada SANTO ANTÓNIO DE VAI-A-MONTE.
A tradição oral da origem de VAIAMONTE merece-me poucos créditos.
Acredita-se que num outeiro próximo estivesse edificado uma povoação moura (sempre os mouros!) e que os seus habitantes diziam: vai ao monte, e este monte teria o significado do “monte alentejano” – casa do lavrador da herdade.
As falhas desta tradição metem-se pelos olhos.
Na verdade, existiu a tal povoação no outeiro próximo – mas é muito mais antiga que os mouros. Foi certamente ocupada pelos romanos; já tive em meu poder uma moeda romana de prata, encontrada lá e dizem-me que outras lá têm sido encontradas.
Uma estrada romana a poria em ligação com Monforte e Cabeço de Vide de que existem ainda vestígios, pelo menos duas pontes, uma à entrada de Monforte, outra próximo de Cabeço de Vide.
Esta região foi antigamente muito habitada.
É frequente aparecerem sepulturas que, segundo me disse um professor um professor do Liceu de Portalegre, serem antigas.
Quando meu pai plantou um olival, apareceram algumas; uma caixa rectangular formada de lajes e com um pequeno pote de barro, semelhante às panelas de barro dos nossos dias.
Há também nas proximidades um local onde ainda estão de pé algumas pedras de antas.
Segundo li num número do antigo “Jornal da Situação” de Portalegre, dedicado ao concelho de Monforte, ao tempo em que era Presidente da Câmara Municipal, o Sr. Cláudio de Moura, hoje falecido, VAIAMONTE vinha dos tempos de D. Sancho. Não sei onde conseguiram estes informes, é até possível que sejam gratuitos.
 
 

Na secção Português para todos – da autoria do conhecido filólogo Xavier Fernandes – inserta no “Jornal de Notícias” do Porto, de 29 de Novembro de 1949, lê-se o seguinte:
(…)
Sobre VAIAMONTE duas hipóteses já encontramos algures:
1.º O nome formou-se de vaia, troça, zombaria, e o conhecido subjectivo monte.
2.º O nome resultou da justaposição dos elementos da expressão vai a monte (vai, do verbo ir e, a, preposição).
Registamos aqui estas duas hipóteses a simples título de curiosidade, pois nenhuma delas oferece boas probabilidades de corresponder à verdadeira e, sobretudo, a primeira, que parece não valer um caracol, como costuma dizer o povo.




Bom Dia Alentejo!
 
 
 

domingo, 9 de março de 2014

Bom Dia Alentejo, Marvão, a Lenda do Castelo de Marvão, O céu, o puro lar, a Casa é mesmo no topo

 

Caía a tarde de mansinho.
O sol punha rabiscos de fogo no firmamento azul-cinzento.
No vale, onde algumas casas pequenas pareciam de brinquedo, vistas do alto do monte, uma jovem tocava harpa de um modo quase distraído. O seu rosto de belas feições gritava sem voz a aflição que a dominava. Perto, uma dama de meia-idade tecia. Também a sua expressão era triste, apreensiva...
De súbito, a jovem parou de tocar, deixando incompleta a ária de amor e queixume que até aí nunca deixara em meio. Gemeram as cordas da harpa, num soluçar dolente, ao abandono dos dedos da jovem. A dama de meia-idade ergueu a cabeça. Fitou a donzela e, numa voz bondosa, perguntou:
— Que tens, Maria? Porque não continuas?
A jovem suspirou. A sua voz soou baixa e fraca.
— Não posso! Perdoa-me, mas não posso!
Sorriu a dama, num sorriso que lembrava lágrimas.
— Sei o que te aflige: a demora de Marcelo. Mas pretenderás tu amá-lo mais do que eu, que sou sua mãe?
Novo suspiro de Maria, agora mais forte. Torceu as mãos, como a tentar dominar-se. Mas logo se levantou do cantinho onde estivera tocando e veio sentar-se aos pés da sua protectora. Deitou-lhe a cabeça no colo. Queria atordoar-se, esquecer que o tempo corria! A senhora acariciou-lhe os cabelos. Voltou a falar-lhe:
— Tem calma! Assim nada conseguirás. E torno a lembrar-te que não o amas mais do que eu...
Maria ergueu o olhar. Olhos rasos de lágrimas.
— Queres-lhe muito, bem sei. Tanto como eu. Mas eu e tu somos diferentes!
— Diferentes em quê?
— No sangue que corre em nossas veias! O meu não é igual ao teu. O meu não vem desse glorioso Viriato, símbolo deste povo não menos glorioso!
Voltou a senhora a acariciar os cabelos da jovem, sentada a seus pés.
— Criei-te de pequenina, minha filha, e ensinei-te a seres forte como todos os Lusitanos. Terás, pois, de ser como nós!
O nervosismo punha um estrangulamento na voz da jovem Maria.
— Sei lá qual será a minha origem! Grega?... Romana?...
— A tua origem, agora, pouco importa! Quando te encontrei abandonada no sopé desta montanha que se ergue à nossa frente, não quis saber quem eras, nem donde terias vindo. Eras uma criança que chorava com fome e tremia de frio!
Com arrebatamento, a jovem ajuntou:
— E hoje sou a futura esposa de Marcelo, o teu filho bem-amado!
— O meu único amparo moral, desde que os Romanos mataram o meu esposo! Tu ainda o viste. Mas eras pequenina quando o levaram daqui... Nunca mais soube dele, nunca mais! Nem sequer qual foi o seu fim, nem onde o enterraram!
A voz da senhora que falava endureceu um pouco e acrescentou:
— Por isso, minha filha, Marcelo tem uma dívida de sangue para com os Romanos!
A jovem ergueu-se.
— Eis o que me aflige ainda mais!
— Porquê? Não acreditas no destino? Que podes recear mais do que eu? O que está escrito terá de cumprir-se, queiras ou não queiras, soframos ou não!
— Não compreendo esse fatalismo.
O olhar da senhora iluminou-se.
— Escuta, Maria… Marcelo vem aí!
Levantou-se a jovem num sobressalto.
— Onde?
Baixo, quase num sussurro, olhos perdidos no espaço, a dama esclareceu:
— Algures. Mas vem aí. Pressinto-o mesmo à distância! Não descobres o mesmo? Não és mãe, Maria. Não podes sentir o que eu sinto!
Mas já a jovem, num impulso, a interrompia:
— Deixa-me ir ao seu encontro!
Num sinal negativo, a mãe de Marcelo abanou a cabeça.
— Não, Maria! Tu corres mais do que eu e chegarás a seu lado antes que eu o veja. E então... ambos se esquecerão desta pobre velha, que anseia, como tu, por ter notícias, embora saiba dominar-se! Não, Maria. Espera um pouco. Ele já vem perto. Não tardará!
Calou-se a dama. Mas o silêncio que as separou durou apenas alguns segundos. Já se distinguia o ruído de um cavalo correndo. Depois estacou. Marcelo desceu e entrou impetuosamente na sala onde as duas mulheres o esperavam. Correu para a mãe, beijou-a, mas logo a deixou para ir estreitar nos seus braços fortes a sua deliciosa, inquieta noiva. Com beça encostada ao peito largo do lusitano, Maria queixou-se:
— Como tardaste, Marcelo! Já estava em cuidado!
Ele tomando nas mãos a linda cabeça de fartos cabelos bem penteados, olhou-a, a fundo, nos olhos. A sua expressão era de amargura e a amargura soou também a sua voz:
— As notícias são péssimas! Cássio Longino tem vindo a destruir tudo por onde passa. É um homem rancoroso, mau, um monstro de ambição!
Serena, a mãe de Marcelo falou:
— Chegou talvez a nossa hora... Mas quem sabe se não terá chegado também a desse tal Cássio Longino?
Marcelo encheu o peito de ar, antes de responder:
— Tudo é possível agora, minha mãe. Mas uma coisa se torna urgente.
— O quê, meu filho?
— Pô-las a salvo antes que ele chegue!
A dama franziu as sobrancelhas. O seu rosto fechou-se numa expressão simultaneamente dura e dolorosa.
— Queres pôr-nos a salvo? Como?
Respirou de novo Marcelo, antes de responder.
— Mãe! Demorei-me, justamente, para encontrar o único meio de as livrar de Longino. Lembrei-me que o monte que nos deu a nossa Maria poderia talvez conservá-la agora longe de perigo.
Num grito, a jovem agarrou-se a Marcelo.
— Não quero separar-me de ti!
Mas a voz da velha senhora voltou a ouvir-se, serena.
— Talvez Marcelo tenha razão. Os homens não combatem com a mesma liberdade de espírito quando têm a seu lado a mulher que amam.
A jovem revoltou-se.
— E ele... ficará aqui, sozinho?
A mãe de Marcelo perguntou:
— Todo este povo, para ti, não representa nada?...
— Mas ele não é o chefe!
— O chefe é um velho e não tem filhos. Marcelo é o seu lugar-tenente. Não poderá agora abandoná-lo.
E acrescentou, voltando-se para o filho:
— Diz-nos onde se encontra o esconderijo que nos destinas, Marcelo, e eu própria conduzirei Maria até lá.
O jovem guerreiro levou uma das mãos à testa.
— Custa-me deixá-las partir sozinhas. Eles podem aparecer de um momento para o outro.
A mãe tornou:
— Por isso mesmo, deves ficar! Diz-me o caminho para chegar local que escolheste.
Marcelo fechou os punhos.
— Receio que não saibam encontrá-lo. É de difícil acesso e…
A velha senhora interrompeu-o, enérgica:
— Marcelo, diz-me o caminho antes que se faça tarde! É lá no cimo do monte?
— Sim. Mais ou menos no lugar onde encontrou Maria. Escute com cuidado…
E o jovem explicou em pormenor o difícil mas único caminho que levaria à salvação a mãe e a noiva.
Elas partiram por fim. Levavam poucos mantimentos e muitas apreensões.
Ainda não havia decorrido uma hora sobre a fuga de Maria e da mãe de Marcelo, quando o exército de Longino caiu sobre a pobre aldeia. A defesa estava entregue a um número inferior à centena.
 


Quanto aos romanos, chegavam aos cachos, passando do milhar. Travou-se a luta. Luta de desespero, da parte invadida. Luta de vida ou de morte. Talvez porque os lusitanos estavam decididos a vender cara a vida, não querendo entregar-se nem morrer sem causar danos, o combate prolongou-se mais do Cássio Longino esperava. O facto enervou o procônsul romano. Mandou redobrar de esforço e crueldade. Os lusitanos, porém, continuavam firmes, embora cada vez em menor número, dispostos a morrer matando o mais que pudessem. Todavia, já reduzidos a uma vintena, o chefe consentiu na entrega da aldeia e dos seus homens em troca de liberdade das mulheres. E a luta cessou, com grandes baixas também do lado do invasor.
A manhã já vinha quando o procônsul romano mandou enfileirar os dezasseis homens que restavam, para virem à sua presença. Um a um ele ia ouvindo e poupando a vida aos que possuíam bens que lhe dessem em troca. Depois de ouvi-los, Cássio Longino fazia a sua escolha. E um a um, iam passando esses lusitanos fortes de corpo e alma, mais amargurados ainda por estarem vivos mas vencidos, ante a figura odiada do chefe romano, escutando a sua sentença de vida ou de morte. Até que chegou a vez do jovem Marcelo.
Longino olhou pouco à vontade esse rosto pálido mas de olhar duro e firme que o causticava. Para disfarçar ou para se vingar dessa ousadia falou-lhe:
— Tu eras o subchefe. Para salvares a vida precisarias de grandes riquezas. E, segundo me informaram, pouco mais tens que a tua casa e uma dúzia de cabeças de gado.
Altivamente, Marcelo respondeu:
— A minha vida não está à venda, creio!
Longino sorriu felinamente:
— És pobre e orgulhoso?... Olha que o teu chefe pagou cara a ousadia de falar-me como grande senhor! Não só o mandei degolar, como fiquei com todos os seus haveres!
Marcelo retorquiu, rápido:
— O mesmo te acontecerá um dia!
Longino rangeu os dentes e sentiu desejo de ferir, de marcar cruelmente o seu inimigo. Sabia que a morte não o afligiria, porque era bravo. Mudou de táctica.
— Se não fosse o preço da tua vida, creio que não resistiria a fazer-te desaparecer, e já!
Marcelo surpreendeu-se.
— O preço? Que preço? Acabaste de afirmar — e é verdade — que pouco mais tenho que uma dúzia de cabeças de gado e a minha casa. Isto basta ao teu espírito ambicioso?
Cássio Longino riu com maldade. Depois sublinhou bem a frase que iria ferir Marcelo:
— Tu nem sabes dar valor ao tesouro que possuías!
O lusitano alarmou-se.
— Que tesouro?
— Amaia!
Marcelo, fora de si, gritou:
— Como sabes o seu nome?
Sorrindo sempre, Longino disse apenas:
— Foi ela.
— Ela?... Quando?
— Não grites, jovem louco!
— Quero saber quando te disse ela o seu nome!
— Ontem, quando chegámos... Ela ia a fugir...
Louco de dor e de fúria, Marcelo gritou mais:
— Onde a escondeste?
— Na minha tenda.
— Maldito! Não ouses tocar-lhe, porque te arrependerás!
Num requinte de cinismo, Longino vibrou o golpe maior.
— Amaia já não te pertence! A velha deu-ma em troca da tua vida; quando os meus homens as descobriram a caminho da montanha!
Quase possesso, Marcelo ia atirar-se ao procônsul, mas foi agarrado pelos soldados romanos. Alucinado, gritou-lhe:
— Mentes! Mentes, malvado! A minha mãe daria a vida por ela!
Sem alterar a voz, o romano tornou:
— E deu.
Os olhos de Marcelo abriram-se num ímpeto de loucura. Baixou a voz, tornando-a cava.
— Que dizes?
— O que ouviste. Depois de nos entregar a jovem Amaia, voltou a buscá-la, no mais aceso da nossa luta. Calcula que matou um dos guardas, essa velha de granito: libertou a jovem, e já iam de novo a fugir, quando foram descobertas. Os meus homens mataram a velha e teriam morto a outra se... se ela não me tivesse agradado tanto!...
Marcelo rugiu, agarrado pelos soldados:
— Maldito sejas enquanto viveres! Maldito sejas onde estiveres, seja na terra ou no mar!...
Enfadado já, Cássio Longino ordenou:
— Levem-no daqui!
Marcelo gritou de novo:
— Só depois de matar-te!
E, lutando, tentou libertar-se dos braços que o seguravam, na ânsia de desfazer o procônsul romano. Mas Longino gritou:
— Segurem-no bem! Parece um tigre!
De rastos, Marcelo foi levado da sala. Mas gritava ainda:
— Amaia nunca será tua! Sei que preferirá morrer! Sei! Compreendes?...
Como resposta, Longino ordenou em voz mal segura:
— Que se aproxime o que estava atrás desta fera que saiu. Vamos continuar! Tu? Não tens bens?
— Não.
— Pois serás degolado! O outro a seguir? Ah! Já sei... já me disseram… Tu és rico... Está bem... Ficarás preso até sairmos desta aldeia… O outro?
Um homem de meia-idade adiantou-se.
— O que tenho não te chega, decerto, porque não lhe sabes dar valor.
— Que possuis?
— Honra!
— Degolem-no! Agora o último. Já começo a estar cansado disto! Que tens para me dar em troca da tua vida?
Cerrando os dentes, o último homem da fileira dos prisioneiros declarava:
— Ódio! Só ódio para te dar! Mas esse é muito, muito!
Sem esperar mais, Longino ordenou:
— Degolem-no também!
E levantando-se da sua cadeira de espaldar, a cadeira do chefe aldeia, declarou:
— Vamos buscar Amaia e ver o que havemos de fazer dessa fera que foi subchefe do inimigo e deverá morrer! O ar aqui pesa-me... Sigamos para outras terras, quanto antes!
Quando Cássio Longino chegou à porta da tenda onde ficara Amaia vigiada por dois soldados, viu esta abandonada. Entrou nela e achou-a vazia. Alucinado, chamou os seus homens.
— Rebanho de imbecis! Onde está Amaia?
A medo, um dos soldados explicou:
— Quando trazíamos Marcelo, este conseguiu libertar-se e fugir para aqui. Então lutou contra nós quatro, ajudado pela rapariga. Dois dos meus camaradas morreram, outro está cego e eu... escapei porque viera buscar reforços...
Foi a vez de Longino rugir:
— Cambada de poltrões! Um homem desarmado vencer quatro soldados!... Para onde fugiram?... Vamos! Reúnam cinquenta homens e sigam-nos! Devem ter ido para a montanha!
Logo se formou o batalhão que iria buscar os fugitivos. A montanha silenciosa e austera era o objectivo. Mas a busca começou a tomar-se difícil. Longino gritou:
— Têm a certeza de que passaram por aqui?
Um dos soldados informou:
— Cássio Longino... Vi-os subir aquele escarpado à beira do precipício. Não vale a pena procurá-los. Não irão longe… porque por ali... mal vão!...
Gritou de novo, o procônsul:
— Mal vão, porquê?
— Porque encontrarão a morte entre os rochedos...
Mas a montanha silenciosa e austera deu abrigo aos fugitivos. Ali ficaram Marcelo e Amaia, lado a lado, corações batendo em uníssono, cheios de dor pela perda da que tudo sacrificara por eles. E os homens de Cássio Longino abandonaram a perseguição ao jovem casal e seguiram para outras terras, espalhando sempre terror e desolação. Mas a maldição caiu sobre Cássio Longino. Quando este, mais tarde, regressava ao seu país natal, encontrou a morte no mar, onde ficou sepultado com todas as riquezas que adquirira durante as lutas com os Lusitanos.
Entretanto, lá no alto da montanha silenciosa e austera, Marcelo e Amaia foram construindo, pedra a pedra, a sua casa. E os seus descendentes, dessa pequena casa fizeram um castelo — o castelo de Marvão — grito que ecoado pelas penedias e levado pelo vento chegou aos ouvidos dos que ficaram quando os soldados romanos diziam dos fugitivos:
— Mal vão! Mal vão!...
Esta é a lenda do castelo de Marvão, que chegou a ser pertença dos Mouros, mas que, finalmente, D. Sancho II conquistou, para o limpar da gente inimiga e dar de presente a Portugal.
De Lendas de Portugal, Gentil Marques, Lisboa, Círculo de Leitores, Lisboa, 1997 [1962], p.Volume II, pp. 159-166

Bom Dia Alentejo!
A alma que lhe escondida é tanta…
Foto: http://www.revista-b.com/edicao6/images/dossier-01/imagem1.jpg

sexta-feira, 7 de março de 2014

Bom Dia Alentejo, Topónimo de Seda, A Lenda do Castelo de Arminho, aos amados de um amor desencontrado

 
Foi ao fim da tarde. Corria o ano de 1160 e era rei de Portugal D. Afonso Henriques. A conquista de Alcácer tinha-lhe valido grande repercussão nos reinos de Leão e Castela e até por terras de sarracenos. Assim, o jovem rei D. Fernando II de Leão pedira uma aliança com o rei português e para esse fim encontraram-se em Celanova. As coisas correram de boa feição e, satisfeito com os resultados, D. Afonso Henriques voltou ao seu castelo, ordenando que viesse à sua presença o jovem D. Nuno Mendes.
Solícito, o cavaleiro apressou-se a apresentar-se ante o seu rei.
— Senhor, disseram-me que precisais falar-me.
O rei sorriu, mostrando a sua satisfação.
— É certo. Preciso dizer-vos que nem tudo são lutas neste mundo.
O jovem cavaleiro olhou D. Afonso Henriques. Um íntimo pensamento atravessou-lhe o cérebro como um relâmpago, enchendo-o de luz, mas, como relâmpago também, essa luz desapareceu, deixando tudo mais negro à sua volta. Como o rei silenciasse, ele, espiando-lhe a expressão, arriscou:
— Gostaria de poder compreender-vos, Senhor!
O rei tornou então:
— Iremos ter alguns anos de paz com Leão! 
Aliviado com o rumo da conversa, o jovem voltou a perguntar:
— Achais que isso será um facto?
O rei sorriu numa expressão franca:
— Acompanhaste-me a Celanova, não é verdade?
— Essa honra me deste!
— Porque a merecíeis! E sabeis também que ali fui para avistar-me com esse jovem e ardoroso D. Fernando de Leão.
— Os tratos foram secretos, mas falou-se muito deles entre a cavalaria...
— E que vos pareceu a conclusão a que chegámos?
O jovem mostrou-se embaraçado.

— Senhor, só vós sabeis o acordo que fizestes. Nós apenas aventámos suposições...
— Pois ireis saber o que ficou estipulado.
— Grande honra me concedeis, Senhor.
— Ouvi, então: a D. Fernando II, filho mais novo de D. Afonso VII, coube por determinação paterna o governo de Leão, Estremadura e Galiza. Ora, a fama das nossas vitórias chegou a Leão e Fernando veio solicitar-me a aliança de Portugal.
— Aliança que aceitastes...
— Sim... com uma condição. Sabeis qual é?
— Não, meu senhor!
O rei olhou intencionalmente o jovem cavaleiro. Depois, com voz firme e pausada, essa voz que tornava as suas ordens indiscutíveis, elucidou:
— A condição é esta: o casamento de Fernando de Leão com a infanta Dona Urraca, filha legítima do rei de Portugal.

A palidez de D. Nuno tornou-se evidente. Os seus belos olhos abriram-se numa expressão de assombro. Murmurou quase, ao perguntar:
— D. Fernando e Dona Urraca irão casar-se?
D. Afonso Henriques tomou uma expressão enérgica.
— Que encontrais de estranho nesse facto? Não é ele rei, jovem e poderoso?
D. Nuno mordeu os lábios e arriscou:
— Mas... Dona Urraca...
O rei interrompeu solene:
— ... é minha filha, bela e prima direita de seu futuro esposo. Que encontrais de mal nessa união?

O jovem cavaleiro, cada vez mais pálido, não encontrou resposta. Mas o rei insistiu:
— Dizei, D. Nuno Mendes...
— Senhor... vossa filha Dona Urraca... é ainda tão jovem...
— Decerto! Mas se o inconveniente é só esse, posso afirmar-vos que Dona Urraca só casará daqui a cinco anos. Mas desde já ficarão prometidos. Assim o quero!
D. Nuno encontrou audácia para sorrir.
— E vós podereis querer, meu Senhor!
— Sim, posso! Dona Urraca faz-se mulher e é linda! Quando menos o esperar pode alguém apossar-se do seu coração.
— Mas vós sois rei!
— Ficaria desgostoso se tivesse de a ferir, impondo-lhe uma vontade que sei ser para ela sagrada!
Tristemente, o jovem murmurou: 
— D. Urraca é demasiadamente dócil para os tempos duros que atravessamos!
O rei português sorriu.
— Achais isso? Pois eu penso que uma mulher nunca será demasiadamente dócil.
— Que Deus proteja a Senhora Dona Urraca!
— Há-de proteger! Seu primo é um homem que sabe agradar às mulheres. E, dessa união, muito de proveitoso pode surgir para Portugal.
Decerto que esse casamento poderá assegurar a paz com Leão...
— E o entendimento necessário para nos ajudarmos mutuamente na dilatação dos nossos territórios, à custa dos sarracenos!
Quase acabrunhado, o cavaleiro D. Nuno anuiu:
— Assim é, meu senhor!
O rei sorriu numa franca expressão.
— Parece que esta união vos não alegra, D. Nuno! Porquê?
Um tanto embaraçado, o jovem respondeu:
— Senhor! O que fizerdes, fareis por bem! Portanto, se essa aliança vos agrada, para maior glória de Portugal, eu me congratulo convosco, Senhor!
A voz do rei tornou-se menos imperiosa.
— Ainda bem que compreendestes! Sabia que poderia continuar a contar com a vossa confiança.
— E porque não havíeis de contar?
O rei tornou-se quase irónico.
— D. Nuno Mendes, eu já tive vinte anos. Sei o que pensava e como pensava. E digo-vos — pela muita estima que vos tenho — que eu teria reagido com menos prudência... Mas conto convosco!
— Podeis sempre contar comigo, Senhor!
— Assim o espero. Ide vós mesmo dar esta nova a minha filha Dona Urraca.
Os belos olhos do jovem cavaleiro voltaram a abrir-se, mas desta vez numa súplica:
— Senhor!...
Enérgico, o rei cortou-lhe a palavra:
— Ide! Assim o quero! Só vós podereis dominar esses tenros treze anos...
E como o cavaleiro continuasse a olhá-lo, desta vez numa súplica muda, D. Afonso Henriques endureceu mais a voz:
— Ide! Porque esperais?
O jovem arriscou:
— Tanto me pede a vossa confiança?
— A pátria pede-vos a vida. Eu peço-vos a felicidade de Dona Urraca.
— Oh, Senhor... se assim fosse!...
— Só vós sabereis prepará-la para que se cumpra a minha promessa. E agora ide sem demora! As feridas devem curar-se enquanto quentes...

 
Quando a jovem infanta desceu ao jardim, por ordem expressa de seu pai, ficou perplexa por se encontrar na frente de D. Nuno Mendes. Perguntou, não escondendo a sua ansiedade:
— Vós? Mas porquê, a estas horas e com o consentimento de meu pai?
Beijando-lhe as pontas dos dedos com ternura, o jovem cavaleiro patenteou, na voz e na expressão do rosto, toda a tristeza que lhe ia na alma.
— Senhora! Morreram as nossas fugas pelo jardim em noites de luar... As nossas juras de amor trocadas em segredo não têm mais razão de existir... As nossas interrogações sobre o futuro serão desnecessárias, porque o futuro veio bater-nos à porta!...
A jovem infanta ficou ainda mais inquieta.
— Meu pai descobriu que nos amamos?
D. Nuno Mendes respondeu, tentando serenidade:
— Creio que sim… mas não sei como isso aconteceu...
— Então... ele consente?...
A expressão do jovem cavaleiro tornou-se esfíngica.
— O senhor D. Afonso Henriques, nosso rei e vosso pai, tem os seus planos, e pediu-me que fosse eu próprio a transmitir-vos o que houve por bem decidir.
A jovem infanta mostrou-se assustada.
— D. Nuno! Dizei-me depressa o que dedidiu meu pai!...
— Que em Celanova, donde regressámos, ficou assente com o rei de Leão, Galiza e Estremadura que vós, Senhora Dona Urraca, filha do rei de Portugal, sereis esposa de vosso primo!

A infanta empalideceu. No seu rosto de menina surgiu uma expressão de revolta.
— Não! Não quero!
D. Nuno tocou-lhe ao de leve numa das mãos:
— Suplico-vos! Acalmei-vos, minha bela infanta! O que está decidido não terá discussão, bem o sabeis! Este acordo — pede-me vosso pai para vos transmitir — será óptimo para o nosso reino e o de Leão!
A boca bem desenhada da infanta de Portugal teve um pequeno trejeito de choro. A sua voz soou lamentosa:
— E eu, D. Nuno? Eu... não conto?
Profunda e quente, a voz do jovem cavaleiro afirmou:
— Contais, sim! Vós sereis feliz!
— Como... se não amo quem me vão dar por esposo?
— Acabareis por amá-lo. Lembrais-vos ainda do vosso primo, o rei de Leão?
— Vi-o há tanto tempo... e eu era tão pequenina...
— Pois deveis vê-lo agora. Todas as damas casadoiras aspiram a um olhar seu. Sossegai, pois! Haveis de amá-lo… e ele vos amará!
— E vós?
— Encontrarei repouso nas lutas que irão seguir-se contra os infiéis.
Os olhos da bela infanta inundaram-se de lágrimas.
— Oh, D. Nuno Mendes, meu amigo! Como podeis dizer-me tais coisas?! Acreditais que irei esquecer-vos?
— Assim é preciso.
— Porquê?
— Para bem de Portugal e...
A infanta interrompeu o cavaleiro:
— ... e para meu bem?
— Assim o creio!
Ela meneou a cabeça.
— Vereis, D. Nuno, o que o futuro dirá ao mundo! Porém conheço meu pai e sei que, se é essa a sua vontade, só teremos que obedecer!
Beijando respeitosamente os finos dedos da infanta de Portugal, D. Nuno exclamou solene:
— Mil perdões, Senhora!
Ela admirou-se.
— De quê?
— Da forma pouco calorosa como vos expus tão alto assunto...

Por entre as lágrimas discretas, a jovem infanta sorriu:
— Só posso agradecer-vos a forma delicada e altruísta como vos desempenhastes de tão espinhosa missão. Na verdade, meu pai soube escolher o mensageiro. Só de vós aceitaria tão pesado fardo!
D. Nuno apressou-se a esclarecer:
— Neste momento sou apenas um dedicado súbdito de vosso pai e um silencioso admirador vosso!
A jovem mordeu os lábios, para conseguir manter a dignidade que o seu nome exigia e não chorar perdidamente com a fraqueza dos treze anos. Depois, estendendo de novo a mão pequenina ao jovem cavaleiro, murmurou:
— Adeus, D. Nuno! Que o Céu nos proteja... e nos una, já que tão cedo a Terra nos separa!...


O vento zunia com impiedade, arremessando ao rosto dos contendores a terra que em novelos se levantava do chão. O exército de Afonso Henriques caía em massa sobre o dos sarracenos. A luta em campo aberto levantava gritos e imprecações que o vento levava. Os estandartes batiam furiosamente, como pássaros na agonia, cortando os ares. E as vitórias do rei português prosseguiam por terras do Alentejo em direcção ao Algarve. E assim, em pouco tempo, chegaram perto da antiga cidade de Medóbriga.
Aí acamparam os de Portugal. O rei parecia contente. E conversando com um dos seus homens de confiança, pediu que mandassem à sua presença D. Nuno Mendes. O jovem cavaleiro não se fez esperar. Vendo-o perfilado na sua frente, o rei falou-lhe:
— D. Nuno Mendes, sabeis o apreço em que vos tenho. Sois um cavaleiro valente!
Com mais delicadeza que humildade, o jovem sublinhou:
— A vossa confiança dá-me forças para levar até ao fim as minhas missões...
— ... as quais acabais sempre com êxito!
— Mesmo que saia ferido do combate...
Havia um tanto de ironia na voz do cavaleiro D. Nuno. O rei português compreendeu-o, mas não se amofinou. Pelo contrário. Olhou-o atentamente, num ar admirativo, e acrescentou:
— O vosso mérito é indiscutível. Tenho-vos observado em campo aberto e verificado que procurais sempre o ponto mais aceso da luta, o local de mais extrema responsabilidade.
— Cumpro a minha obrigação de cavaleiro.
— Levais bem longe a vossa obrigação...
— Senhor! Talvez um dia possa filiar-me numa ordem fundada por vós. Ordem que me obrigue a viver no claustro, durante a paz, e na guerra a vosso lado, combatendo!
O rei sorriu:
— Bravo, D. Nuno Mendes! Folgo em ouvir-vos! Ficarei agora plenamente descansado sobre algo que me preocupava ainda. Mas estou a desviar-me do assunto que me levou a convocar-vos...
— Dizei, então, Senhor!
O rei respirou o ar da tarde que o envolvia, a plenos pulmões. Depois, o seu rosto tomou aquela expressão grave que assumia sempre que falava de guerra.
— Sabeis que estamos acampados perto do castelo de Arminho? 
— Assim me foi dito, Senhor!
— Noutros tempos viveram aqui homens de força que o defenderam até à última gota do seu sangue. Mas os árabes chegaram e dele fizeram sua morada.
— Sei que Arminho é uma praça forte dos Sarracenos...
— Mas breve será nossa! Amanhã, assim que o Sol dê indícios de começar a romper, cairemos sobre o castelo — esse famoso castelo de Arminho, que desejo para nós!
— A ideia apraz-me, Senhor!
— Ainda bem! E conto convosco para comandar a vanguarda!
— A vossa confiança em mim não cairá em vão. Arminho será nosso!
O rei sorriu. Fez com a cabeça um sinal de aprovação. O sangue fervia nas veias desse jovem que ficara a seu lado apesar de lhe ter feito conhecer o travo da amargura. E D. Afonso Henriques sentia uma simpatia especial por homens cujo ardor na luta fosse semelhante ao seu. Despediu-o com um gesto amigo. E ficou-se na sua tenda, largamente a pensar.
A tarde morria aos poucos na charneca de terra encarniçada. No firmamento, traços de fogo desenhavam-se, formando um quadro bastante estranho. E o vento, correndo agora mais sereno, parecia murmurar frases de estímulo ao exército acampado.
Bocejando em pequenos sopros de ar puro, a madrugada ergueu-se. Uma luz ténue mas prometedora veio já encontrar em ordem de marcha o exército português. O objectivo estava quase à vista — esse famoso castelo de Arminho que D. Afonso Henriques tanto desejava possuir. Chegada a hora, as hostes dispuseram-se para o assalto. O início da luta soou. Houve um momento de pânico dentro do castelo, mas os portugueses, que atacavam com fúria, sentiram que o inimigo começava a recompor-se. Deram-se as primeiras baixas. De um e outro lado, combatia-se com vigor. D. Afonso Henriques enervou-se. Não esperava tanta resistência. Chamou então de parte o comandante da vanguarda e gritou-lhe, no meio da vozearia geral:
— D. Nuno Mendes! Tereis de cumprir mais uma missão arriscada!
— Mandai, Senhor!
— Ide ao castelo e dizei ao alcaide que, se teimarem em continuar na luta e eu os vencer, passarei todos à espada! Todos! Compreendeis?
— Direi apenas isso?
— Será o bastante para pôr em perigo a vossa e as nossas vidas!
— Compreendo, Senhor. Irei sem demora.
E o cavaleiro, dando de esporas ao cavalo, correu em direcção ao castelo com o pedido de parlamentar. O combate suspendeu-se por momentos. Todos esperavam ansiosos novas de D. Nuno Mendes. Se este não voltasse dentro dum prazo estipulado, o combate continuaria com redobrado ímpeto. De súbito, porém, a figura esbelta do cavaleiro português desenhou-se sobre o muro do castelo e a sua voz, que já se habituara ao comando, soou sonora e firme:
— Não é necessário combater mais porque a fortaleza já se dá!
Houve um movimento de alegria. O porta-estandarte correu a içar a bandeira. E D. Afonso Henriques, erguendo a sua espada, gritou com entusiasmo:
— Que Deus seja louvado e vós, também, D. Nuno Mendes! A vitória é nossa! A vila que fundarei onde já foi outra vila, nossa será também. Mas não se chamará Arminho e sim Seda... já que «se dá!»
E assim, a vila do castelo de Arminho, de remotíssima idade, passou a chamar-se Seda desde essa famosa conquista numa bela manhã em que o vento deixou de soprar e um jovem de sangue ardente e coração destroçado dava tudo por tudo para, nas lutas em prol da dilatação do Portugal, esquecer um grande mas impossível amor.
Fonte: Gentil Marques, Lendas de Portugal, Lisboa, Círculo de Leitores, 1997 [1962], p.Volume V, pp. 347-354

Bom Dia Alentejo!
Fotos: http://api.ning.com/files/zpBAGS3ej4N21d48PPUgS6w3JxSYpgPrX7lkfJt*QfCy9MhOYZCr4JePr-BgZBu88ukvW-s7i6b82TzMtqL5DCMvdGhaCOlq/castelo_de_sonhos.jpg , http://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/e/ee/19-v_2h_Vasnetsov.jpg
Mas lhe vai a pura doce história do amor desencontrado…