Quando a Ponte de Sor
era ainda uma cidade de Matusaro, nela havia um alcaide muito mau que tinha grande
aversão aos portugueses. Ao contrário – pois a vos direi a vós mes compadres e
minhas comadres – a alcaidessazinha sua filha, que era de uma beleza
estonteante, vivia apaixonada por um fidalgo português que, por seu turno, lhe
correspondia com um amor puro e a mais cega das paixões e queria fazer dela sua
esposa.
O pai – assim vos direi
a vossemecês – nem por sombras admitia que a filha se enamorasse do português,
inimigo fidagal dos da sua raça, pois destinara já a filha para esposa de um
seu amigo com quem, tinha secretamente ajustado o casamento.
O fidalgo português
vinha de longes terras, pela calada da noite, arrostando com mil perigos, para
falar à sua amada. Debruçada das ameias da barbaçã da fortaleza, a fidalga
moira esperava-o, impacientemente. Uma vez chegado, ela abria a porta do
castelo e os namorados sentavam-se num banco de pedra que ali havia, debaixo de
uma nogueirinha, ouvindo o sussurrar plangente das águas da fonte que corria
perto, trocando mil beijos e juras de fidelidade.
Assim se passaram
muitos meses. Mas uma noite, o velho alcaide surpreendeu os dois amantes e
cheio de cólera puxara da longa cimitarra para matar a filha, que lhe traíra a
ideia de a casar com um dos da sua raça.
O português
levantara-se de um salto e brandindo a sua espada gloriosa de tantos combates,
parar vários golpes que o alcaide astuto desferira, acabando por desarmar
aquele velho filho de Allah.
Ferido no seu
orgulho, o alcaide jurou vingar-se e, um dia, obrigou a filha a tomar o filtro
do esquecimento, para que deixasse de pensar no namorado. Mas a fada que o
fizera dera-lhe um filtro de amor, que mais veio avivar o amor ardente da
alcaidessazinha. Furioso o velho moiro mandou encantar a filha, lançando-lhe o
anátema da maldição, para que ficasse encantada por muitos anos. Só numa longínqua
noite de S. João, ao dar da meia-noite, se quebraria o encanto.
É por isso – a mes compadres
e minhas comadres, a mes compadres – que nos tempos da minha mocidade, os
rapazes e as raparigas vinham dos bailes das fogueiras de S. João, à
meia-noite, beber água à fonte da Vila, que estava toda caiada e enfeitada de
canas verdes, bandeiras e flores, esperançados de assistirem ao desencantamento
da linda moira, que estaria penteando os longos cabelos negros, com o seu belo
pente de oiro, à espera do eterno enamorado, para se casarem.
Rolaram muitos
séculos, e um dia, quando o Dr. João Crawford Rodrigues era proprietário da
quinta que no local mandou fazer, ordenou que cortassem a nogueira. Quando os
seus criados iam cumprir tal ordem, ouviram uma voz saída de um poço, que
existia no local, prevenindo que não cortassem a árvore, porque, fazendo-o,
morreria o dono da quinta. Os criados, atemorizados, foram informar o patrão
que surpreendeu a ordem.
Passaram-se mais uns
anos e um dia os criados voltaram para cortar a nogueirinha. A mesma voz
feminina voltou a ouvir-se, dando novo aviso. Não acreditando nele, o Dr.
Rodrigues mandou abater a árvore. Faleceu nessa mesma noite.
Talvez inspirado por
esta lenda, o Dr. Manuel Rodrigues de Matos e Silva, posterior proprietário da
mesma quinta, mandou plantar no mesmo local outra nogueirinha, que todos nós
conhecemos, e que há pouco ainda foi cortada.
Era para ela que
todos olhávamos, quando, nas noites de S. João, vínhamos à fonte, na esperança
de vermos a linda moira que deu origem a esta bela lenda.
Fonte:
Primo Pedro da Conceição Freire Andrade, Cinzas do Passado, Edição da Câmara
Municipal de Ponte de Sor, 1986