O modo de vestir das
populações rurais do Alentejo – deste meu Alentejo e vosso - foi uma das
características mais curiosas, mais típicas do povo alentejano. O traje tornava
inconfundível o homem do campo, em qualquer aglomerado de gente, por maior que fôsse-feira
ou romaria.
Resistindo à
influência da moda, cujo despotismo, sobretudo nos tempos correntes, todos nós
conhecemos, o vestuário do camponês alentejano manteve-se inalterável, na sua
essência pelo menos, durante largos anos, dando a impressão de que permaneceria
sempre invulnerável à acção caprichosa da moda, e à influência dos usos e
costumes de outros povos.
O vestuário do
alentejano – era assim mes compadres e que minhas comadres, assim – uma espécie
de cartão de identidade, uma certidão de proveniência, um documento que
identificava o respectivo portador sob o ponto de vista provincial, em qualquer
parte que aparecesse.
O cosmopolitismo da
vida moderna, devido à facilidade e rapidez de comunicação, determinou o
estreitamento e frequência de relações entre as populações mesmo afastadas,
resultando deste facto a penetração de costumes alheios e a consequente
alteração dos próprios.
Esta terá sido, a
nosso ver, uma das razões por que o nosso Alentejo tem perdido um pouco o seu
característico individualismo sob o ponto de vista da indumentária. (…)
Falemos primeiro do
vestuário de trabalho.
Os rurais alentejanos,
ainda no 3.º quartel do séc. XIX usavam calção de briche ou de tripe, polainas
de saragoça, altas, chegando quási ao joelho, abotoadas do lado de fora com
botões numerosos, de pouco valor. Vestiam camisa branca, feita de pano de
fabrico caseiro, tendo o peitilho mais ou menos rendilhado, os ombros com sua
bordadura e às preguinhas.
O colarinho era alto –
assim minhas comadres e que mes compades –, com duas ou quatro casas, onde
entravam os botões, ordinariamente de prata o que não é para admirar, visto que
ainda então a indústria e venda de jóias de pechisbeque se não tinha desenvolvido.
Os botões dos punhos eram igualmente de prata, com corrente.
Por cima da camisa
usavam o colete de tecido escuro (surrebeca em geral) e a clássica jaqueta,
chamada também véstia.
O chapéu – aquele enorme
chapéu alentejano – era o principal distintivo do camponês do Alentejo.
Grande – assim compadres
e que minhas comadres – com suas abas enormes recurvadas, preto, redondo,
colossal, o chapéu tinha ainda como acessório uma grande borla fixa, o portador
colocava ao lado esquerdo, quando fazia uso dele, e da qual muito se ufanava.
No tempo invernoso
usavam, como hoje ainda, para se defenderem do frio e da chuva, os safões, o
pelico, espécie de colete de pele com todo o pêlo, sem botões nem mangas e de
enfiar pela cabeça; e finalmente uma outra pele presa à cintura por correias e
destinada a proteger as nádegas.
Por cima de tudo
usavam um capote – assim pois estou dizendo a vossemecês – ainda hoje bastante
frequente, com mangas curtas e apenas um cabeção. Os ganadeiros – pois assim
minha gente -, especialmente os guardas de gado lanígero, mais expostos às
inclemências do tempo, traziam, como agora ainda em alguns pontos, samarra de
pele de ovelha com o pêlo conservado.
Um dos acessórios do
vestuário era a cinta, larga e comprida faixa de algodão, terminando em franjas
nas duas extremidades, que se enrolavam amplamente em volta da cintura,
prendendo a extremidade livre de modo que a franja pendesse ao lado.
O traje de festa, à
parte o calção, as polainas e o chapéu, sofreu mais profunda transformação do
que o do trabalho, pois o de hoje pouco tem do que do outro tempo.
Constava este de
camisa branca engomada com peitilho vistoso, de renda; colete rameado ou liso,
jaqueta com alamares de prata – 3 pares em geral - ; calção de tripe duma bela
cor azul, muito vistoso, com duas abotoaduras constituídas por grande número de
moedas de prata que iam do joelho à cinta, fivelas de prata na parte inferior
do calção; polainas escuras, de briche, abotoadas, com moedas de prata, em toda
a altura, excepto na parte superior em que ficavam propositadamente
desabotoadas para se poderem entrever as meias brancas; ligas vermelhas
segurando as polainas, com cordões de outra cor pendendo à frente.
Entre a cinta, que
era de merino, (ou cor de vinho ou encarnada) e o colete, era entalado à frente
um lenço, ordinariamente de seda, vistoso e flamante.
Os botões do
colarinho e dos punhos eram de oiro – como estais lendo mes compadres e que
minhas comadres, de oiro – como competia ao traje de gala.
Como cúpula desta
vistosa indumentária, via-se o clássico chapéu redondo que pouco diferia do
descrito.
Em certas solenidades
era indispensável o uso da capa, vistosa peça de particular apreço. Era de pano
azul escuro, farta, rodada e bastante comprida. Na gola, tinha alamares de
prata. Algumas eram forradas, pelo menos nas orlas da frente. Também se usavam
capas de briche escuro.
Seria curioso
acompanhar a lenta evolução da indumentária masculina, desde as calças de
alçapão, imediatas sucessoras dos calções, até aos nossos dias: mas vai longo
este, por isso ficamos por aqui.
E foi assim mes compadres
e que minhas comadres, e que foi assim pois que vos o digo, Manuel Subtil,
Indumentária rural do Alentejo, Revista Casa do Alentejo, 194(?).