sexta-feira, 12 de fevereiro de 2016

Bom Dia Alentejo, a Santiago Maior, o Contrabando, a uma freguesia de Alandroal


A freguesia de Santiago Maior, o concelho e toda a região em geral, viveram sempre uma situação agreste, muito desprotegida a todos os níveis. Zona com bastante população onde predominava a fome, miséria e o desemprego. Vivia-se com dificuldades económicas, muitas vezes quem suportava toda esta crise era o pequeno comércio através do "fiado". Ou se era trabalhador rural ou em alternativa, dada a situação geográfica propícia, se praticava contrabando "não profissional", sujeitando-se ao martírio e calvário das cargas e principalmente do risco da própria vida.
Era uma tarefa ingrata, praticada normalmente de noite, por caminhos e atalhos, por meio de matos, arrífes e caminhos mais pedregosos, mais ocultos e possíveis de esconderijo, com travessia do Rio Guadiana, a nado ou de barca, afim de conseguirem ludibriar a tenebrosa Guarda Civil espanhola ou a nossa Guarda Fiscal.
É certo que qualquer autoridade ou a GNR poderiam intervir, apreendendo, prendendo ou autuando, mas o maior medo e de que mais se precaviam era da passagem da fronteira. Contrabandistas houve, que em locais mais recatados se esconderam para não serem detectados, estando vários dias sem comer nem beber, aguardando que as autoridades de cá e do lado de lá da fronteira se afastassem para outra zona, só então seguindo caminhada com o fardo de contrabando às costas. Por vezes, neste jogo de gato e rato, os guardas faziam "negaças"
A maior intensidade de contrabando aconteceu desde a década de trinta e estendeu-se até à década de sessenta. A Guerra Civil de Espanha, a 2º Guerra Mundial e a miséria em que o povo do Alentejo vivia, intensificaram esta ílícita actividade, em busca de meios de sobrevivência. O contrabando integrava homens de qualquer idade, bastava terem bom fisíco, serem possantes, não medrosos, nem tímidos e capazes de enfrentar as maiores adversidades ao longo dos percursos, para não largarem a carga de qualquer maneira, só fazendo após grande perseguição.


Esta actividade assegurava um esquema de comércio informal e de economia paralela, afectuando a permuta clandestina de produtos e géneros que escasseavam, ora num ora noutro lado da fronteira. Embora de natureza diferente, havia carências de ambos lados da raia.
Para Espanha, para além do tabaco, açúcar e café, no tempo da guerra com carência de tudo, levavam pão, farinha, enchidos, e tudo o que fosse comestível. O contrabando mais apetecido foi o café e tabaco dado a sua qualidade quando comparado com o espanhol. Para Portugal calçado, alpercatas de corda, roupas, lenços da cabeça, garridos, leques, perfumes, bebidas espirituosas, sedas, navalhas de barba, isqueiros e inclusivé medicamnetos, além de outros em maior escala como era a bombazina de excelente qualidade.
Era uma actividade cheia de riscos: o abandono das cargas com o receio de serem apanhados e que por vezes se tornava realidade; a prisão, cá ou lá, forçando-os a confessar tudo o que sabiam sobre o contrabando; os ferimentos ou mesmo a morte, quando baleados pelos guardas; o afogamento, nas travessias do Guadiana, efectuadas durante noites sem luar em que as condições do rio não eram devidamente avaliadas; a tortura em Espanha quando lá encarcerados.
Quando escondidos nos cerros, por vezes eram detectados e obrigados a fugir, normalmente já tinham a carga de tal modo escondida que, apesar das autoridades revolverem matagais,covis e esconderijos, nem sempre encontravam o material. Após afastamento dos guardas, os contrabandistas voltavam ao local, para se certificarem se a sua carga tinha sido descoberta. Foi assim uma difícil forma de sobrevivência.
  Fonte: Memórias do contrabando - Manuel Inácio Cotovio, 2006