A freguesia de Santiago Maior, o
concelho e toda a região em geral, viveram sempre uma situação agreste, muito
desprotegida a todos os níveis. Zona com bastante população onde predominava a
fome, miséria e o desemprego. Vivia-se com dificuldades económicas, muitas vezes
quem suportava toda esta crise era o pequeno comércio através do
"fiado". Ou se era trabalhador rural ou em alternativa, dada a
situação geográfica propícia, se praticava contrabando "não
profissional", sujeitando-se ao martírio e calvário das cargas e principalmente
do risco da própria vida.
Era uma tarefa
ingrata, praticada normalmente de noite, por caminhos e atalhos, por meio de
matos, arrífes e caminhos mais pedregosos, mais ocultos e possíveis de
esconderijo, com travessia do Rio Guadiana, a nado ou de barca, afim de
conseguirem ludibriar a tenebrosa Guarda Civil espanhola ou a nossa Guarda
Fiscal.
É certo que qualquer
autoridade ou a GNR poderiam intervir, apreendendo, prendendo ou autuando, mas
o maior medo e de que mais se precaviam era da passagem da fronteira.
Contrabandistas houve, que em locais mais recatados se esconderam para não
serem detectados, estando vários dias sem comer nem beber, aguardando que as
autoridades de cá e do lado de lá da fronteira se afastassem para outra zona,
só então seguindo caminhada com o fardo de contrabando às costas. Por vezes,
neste jogo de gato e rato, os guardas faziam "negaças"
A maior intensidade
de contrabando aconteceu desde a década de trinta e estendeu-se até à década de
sessenta. A Guerra Civil de Espanha, a 2º Guerra Mundial e a miséria em que o
povo do Alentejo vivia, intensificaram esta ílícita actividade, em busca de
meios de sobrevivência. O contrabando integrava homens de qualquer idade,
bastava terem bom fisíco, serem possantes, não medrosos, nem tímidos e capazes
de enfrentar as maiores adversidades ao longo dos percursos, para não largarem
a carga de qualquer maneira, só fazendo após grande perseguição.
Esta actividade
assegurava um esquema de comércio informal e de economia paralela, afectuando a
permuta clandestina de produtos e géneros que escasseavam, ora num ora noutro
lado da fronteira. Embora de natureza diferente, havia carências de ambos lados
da raia.
Para Espanha, para
além do tabaco, açúcar e café, no tempo da guerra com carência de tudo, levavam
pão, farinha, enchidos, e tudo o que fosse comestível. O contrabando mais
apetecido foi o café e tabaco dado a sua qualidade quando comparado com
o espanhol. Para Portugal calçado, alpercatas de corda, roupas, lenços da
cabeça, garridos, leques, perfumes, bebidas espirituosas, sedas, navalhas de
barba, isqueiros e inclusivé medicamnetos, além de outros em maior escala como
era a bombazina de excelente qualidade.
Era uma actividade
cheia de riscos: o abandono das cargas com o receio de serem apanhados e que
por vezes se tornava realidade; a prisão, cá ou lá, forçando-os a confessar
tudo o que sabiam sobre o contrabando; os ferimentos ou mesmo a morte, quando
baleados pelos guardas; o afogamento, nas travessias do Guadiana, efectuadas
durante noites sem luar em que as condições do rio não eram devidamente
avaliadas; a tortura em Espanha quando lá encarcerados.
Quando escondidos nos
cerros, por vezes eram detectados e obrigados a fugir, normalmente já tinham a
carga de tal modo escondida que, apesar das autoridades revolverem
matagais,covis e esconderijos, nem sempre encontravam o material. Após
afastamento dos guardas, os contrabandistas voltavam ao local, para se
certificarem se a sua carga tinha sido descoberta. Foi assim uma difícil forma
de sobrevivência.
Fonte: Memórias do
contrabando - Manuel Inácio Cotovio, 2006