José Leite de Vasconcellos foi um dos maiores
arqueólogos e etnólogos portugueses do século passado. Privilegiando o trabalho
de campo, dedicou especial atenção e carinho à nossa região, aonde vinha com
frequência, pernoitando nas casas de pessoas amigas, em Tolosa, Gáfete ou em
Nisa. Não admira, pois, que na sua principal obra, de dez volumes
"Etnografia Portuguesa", encontremos abundantes referências sobre
quase todas as terras do concelho de Nisa e do Crato. A descrição que segue foi
vivida pelo próprio autor de "Regiões da Lusitânia" (outra das suas
obras mais conhecidas), em Tolosa.
Casamento a que assisti, em 30 de
Dezembro de 1925
"Depois da cerimónia da igreja, em que nada houve
de especial senão a bênção dos anéis, que os noivos trocaram entre si,
passou-se às cerimónias profanas.
Os noivos saíram da igreja ao som do sino,
acompanhados dos padrinhos e convidados. A noiva e as duas madrinhas iam
vestidas de preto, com a cabeça coberta por mantilhas ou côcas ; o noivo como
os padrinhos e convidados, trajava ao modo corrente: jaqueta curta, cinta de
pontas à dependura, chapéu de pano...
O acompanhamento seguiu para casa da noiva, onde a
família desta havia preparado um copo-de-água, isto é, vinho de pasto, bolos e
tremoços. A noiva ficou em casa da família e o resto das pessoas seguiu com o
noivo para casa da família deste, onde o deixou: todos aí beberam, igualmente,
vinho e comeram bolos.
Durante o percurso, vinha gente
às portas e às janelas, e os padrinhos deitavam-lhe confeitos e amêndoas doces
tal como ao rapazio que logo na igreja se juntara e seguira à frente de tudo
com grande algazarra.
Seguiram os convidados da noiva para casa da família
dela e aí tiveram uma boda ou jantar; os do noivo ficaram com este e tiveram
também a sua boda. Depois disto é que os noivos se juntaram e foram habitar em
casa própria. Constava esta de dois compartimentos: cozinha e quarto de dormir,
muito limpinhos.
Na cozinha, que é a par da sala
de entrada, sobressaía, diante da porta, segundo o costume, a cantareira, com a
sua estante nova, pratos novos e asados, postos no poial, empedrados e frescos,
com seus testos e panelinhas na boca.
A outro lado da cozinha, estava uma mesa, coberta de
toalha branca e rendada e, em cima, bonecos de barro e bugigangas análogas. No
quarto, uma particularidade própria do dia: sobre a cama, uma rima de
cobertores e cobertas, de variadas cores, e, na beira, pregados, uma porção de
roda-pés, uns sobre os outros.
Todo
o arranjo da casa é feito à custa da noiva; o noivo leva, apenas, o seu
vestuário e as ferramentas com que trabalha.
Por cada casamento o
pároco recebe, além de dinheiro, meio alqueire de trigo, dois litros de vinho,
uma quarta de carne e uma galinha. Outras notas sobre o assunto tomou o autor,
em ocasiões várias, igualmente em Tolosa.
Na
antevéspera do casamento, vão as raparigas solteiras e amigas da noiva
compor-lhe a casa, sobretudo a sala e a cama. Roupa de uma cama de noivos: 10
roda-pés de pano corado, paninhos, etc., com bordados; um colchão, 5
cobertores, 5 lençóis de cabeceira, com dobra bordada, 2 travesseiros, 4
travesseiras.
Na véspera do dia,
jantam padrinhos e convidados em casa dos pais do noivo e da noiva, depois do
que há bailho até de manhã, ao som do harmónio e da concertina.
No dia do casamento, de manhã, vão à fonte as amigas da noiva à água para o consumo do dia. A madrinha vai buscar a noiva e o padrinho o noivo. Saem para a rua, vêm atrás os convidados, alguns com pratos de flores e papelinhos que hão-de deitar sobre os noivos, depois da cerimónia eclesiástica. Segue-se o registo civil, e vão depois para a igreja.
As pessoas amigas atiram das janelas e da rua sobre o cortejo, que vem da igreja, flores, arroz e papelinhos, enquanto os padrinhos depõem amêndoas nas bandejas e as atiram ao rapazio da rua. Baila-se na noite do casamento até de madrugada, e não em local certo mas em casa a isso adequada.
Os noivos retiram-se para a sua pela meia-noite. Aparece-lhes, depois, um descante à porta - entoam os rapazes cantigas ao som da guitarra ou do harmónio - e os noivos levantam-se para distribuir vinho e bolos.
Versos do descante:
Viva o noivo mais a
noiva,
Viva o pai que os
criou
E o padrinho e a
madrinha
Que à igreja os
acompanhou!
Viva o noivo mais a
noiva,
Que se foram já
casar!
Deus le dê muita
saúde
E bons anos prá
gozar!
Viva o noivo mais a
noiva
Raminho de erva
cidreira,
Já fôstades à igreja
Pôr o nome de casada
E perder o de
solteira.
Já fôstades à igreja,
Linda rosa encarnada,
Perder o nome de
solteira
E buscar o de casada.
Num 4º dia, logo de manhã, as madrinhas levam aos
noivos café e fatias (fatias de pão de trigo, fritas com ovos e açúcar) e no
mesmo dia dá-se almoço e jantar outra vez aos noivos e comitiva em casa dos
pais de cada um deles, seguindo-se novo bailho. Só, então, acaba a boda.
Os noivos só depois do casamento comem juntos; um dia
em casa dos pais de um, outro dia em casa dos pais do outro.
Fonte: Tolosablog. blogspot.pt