Sempre tem sido um
grupo de mulheres, “A Nossa Terra”, um livro de João
Guerreiro da Purificação, lá nele se
pode ler, que lá nele o diz, ao abordar os costumes, as tradições da sua Aldeia
da Mata, quem tem cantado o encomendar
das almas, uma noite por semana, nas três últimas da Quaresma.
O grupo, o que vai cantar o
Encomendar das Almas, varia nas pessoas e na quantidade, sendo o ensaio do
mesmo, na casa de uma delas.
O grupo mais antigo, ele era também acompanhado
por um homem que, além das guardar, também cantava, dando a sua voz, uma certa
graça, no meio, de entre a voz a das mulheres. A pé, pela calada da noite,
guiados pela sua fé, para irem falar de Deus, a gente que só os ouvia.
Mas o curioso, o curioso destes
grupos, era procurar que ninguém soubesse, quem encomendava as almas. Com o seu
ar de mistério, era como tudo isto se fazia, porque encontravam que a sua
mensagem seria assim mais bem entendida.
A quadra a seguir era antigamente a
primeira que o grupo cantava.
Ó Almas que estão dormindo
Nesse sono tão profundo
Levantem-se e venham ouvir
As Almas do Outro Mundo.
Hoje, compadres meus do mundo, só se cantam os versos
que seguem, os mesmos que se têm cantado toda a vida.
Bendita e louvada seja
A Sagrada Morte e Paixão
Do Nosso Senhor Jesus Cristo.
Que Nosso Senhor Jesus Cristo
Nos chegue a pontes de Salvação
Seja por amor de Deus
Pelo amor de Deus seja
Seja pelo amor de Deus
Pelo amor de Deus seja.
2.
Rezemos um Pai Nosso
Com mais uma Avé Maria
Por aqueles que andam sobre o mar e as águas do mar
Que Nosso Senhor Jesus Cristo
Nos chegue a pontes de Salvação.
Seja pelo amor de Deus
Pelo amor de Deus seja
Seja pelo amor de Deus
Pelo amor de Deus seja.
3.
Rezemos outro Pai Nosso
Com mais outra Avé Maria
Por aqueles que estão em pecado mortal.
Que Nosso Senhor Jesus Cristo
Nos chegue a Pontes de salvação
Seja pelo amor de Deus
Pelo amor de Deus seja
Seja pelo amor de Deus
Pelo amor de Deus seja.
Seguem-se por ordem os locais das ruas onde o grupo
mais antigo parava para cantar o Encomendar as Almas, e assim conhecidos entre
nós – o digo eu, naquele povo – naquela época: em frente da padaria do
“compadre” Saboga; em frente da casa da Senhora Maria Teresa Lourenço; em
frente da escola; no Monte Novo; em Santo António na Baixa; na Estrada aos
Correios; no Largo do Terreiro; na Rua do Fundão; na Rua de S. Pedro, perto da
Rua da Ladeira e em frente da porta da igreja.
Chegando aqui, chegados aqui, este grupo, este povo de
Aldeia da Mata, antes mesmo do grupo começar a cantar, uma dessas pessoas, das gentes
do grupo, ela batia com força três vezes na porta da Igreja.
Depois, eles então cantavam a última vez, dessa noite.
No fim do canto, o grupo, a agregada, ela ia deixando
cada mulher em sua casa, com o homem a acompanhar até à última.
O que mais impressiona, o que mais impressionava as
gentes do povoado, o silêncio que ficava e como tudo isto era feito, ao mudarem
de lugar, pois pouco de nada, as mulheres, elas falavam umas para as outras.
A ouvir, a ver, ainda parece, um sentir, aqueles
vultos escuros e o barulho escuro dos seus passos, um invadir espinha sempre
faz.
Mete respeito, metia respeito ainda mais, quando a
luz, a iluminação nas ruas que não havia, que sendo a tradição, o Encomendar as
Almas e o seu viver sempre depois da meia-noite, e como a escuridão que não
bastasse, as mulheres iam de xaile preto pela cabeça, e o homem, o homem, ele
ia de capote com a gola levantada. E embora, a hora da noite que isto se
passava, as mulheres, elas escondiam o seu rosto o mais que possível.
O grupo, ele cantava sempre em círculo, e muito junto.
Consta, o grupo assim colocado, o canto se ouvia mais longe, que mais bonito
assim se tornava.
Fonte: A Nossa
Terra, João Guerreiro da Purificação, Associação de Amizade e Terceira
Idade, Aldeia da Mata, 2000.
Foto: http://www.edilportale.com/upload/prodotti/prodotti-64839vrel222251b8239d415192d19c07c3d795e2.jpg